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Review – Estrelas Além do Tempo (2016)

Estrelas Além do Tempo

Hidden Figures
Direção: Theodore Melfi
Elenco: Taraji P. Henson, Octavia Spencer, Janelle Monáe, Kevin Costner, Kirsten Dunst, Jim Parsons, Glen Powell, Kimberly Quinn, Mahershala Ali.
EUA, 2016


Dando continuidade aos reviews do CPR sobre os filmes indicados ao Oscar 2017, cuja cerimônia de entrega acontece nesse domingo dia 26 falo agora sobre “Estrelas Além do Tempo” já em cartaz por aqui.

Baseado no livro de Margot Lee Shetterly, “Hidden Figures: The Story of the African-American Women Who Helped Win the Space Race”, o longa conta a história de três mulheres cientistas negras que quebraram barreiras trabalhando na NASA nos anos 60, na sociedade racista e segregadora dos Estados Unidos. O trabalho delas foi fundamental para levar o primeiro estadunidense ao espaço, alcançando os russos na corrida espacial na Guerra Fria.


Henson interpreta a protagonista Katherine Johnson, que é deslocada do setor dos trabalhadores negros matemáticos da NASA para a equipe de Al Harrison (Costner), responsável pela missão de levar o homem ao espaço. Enquanto isso, Dorothy Vaughan (Octavia Spencer, indicada a Oscar de atriz coadjuvante, prêmio que já ganhou por Histórias Cruzadas) aprende a trabalhar com os computadores da IBM, novidade que ameaça desempregar funcionários. Dorothy já seria supervisora se não fosse a barreira do racismo. Por fim, temos Mary Jackson (Janelle Monáe, atriz e cantora que também tem destaque em Moonlight, ainda que apareça pouco), ela luta para conseguir se tornar engenheira e assim progredir na NASA, Mary se torna a primeira negra numa universidade só para brancos.

Assim, acompanhamos a saga das personagens brigando por mais espaço e possibilidade de crescimento. Todo o racismo institucionalizado aparece no dia a dia das cientistas, Katherine, por exemplo, leva quarenta minutos só para ir e voltar do banheiro porque não há banheiro para “pessoas de cor” no setor que agora está e até então não havia nenhum negro. Aliás, essas cenas me incomodaram, pois algo que era de mais humilhante para negras e negros estadunidenses virou piada no filme, muitos que assistiram riram da corrida que a personagem tinha que dá, não perceberam o quanto isso era uma violência. Na história real ela simplesmente peitou e começou a usar o banheiro de brancos, não houve a cena do patrão arrebentando o aviso da segregação na porta do banheiro. Há também a garrafa de café separada e todos os outros mecanismos de segregação, fora o tratamento racista dado por patrões e colegas de função.


Alguns pontos positivos do filme estão no fato da narrativa não ser maniqueísta. Quando personagens brancos agem com racismo, como a supervisora interpretada por Kirsten Dunst, eles não são representados simplesmente como pessoas más, mas sim como pessoas comuns que estão reproduzindo o racismo que existe na sociedade muito antes deles. Outro ponto positivo é o protagonismo das mulheres negras, elas são sujeitos da transformação de suas histórias. Mesmo quando, por exemplo, o personagem de Costner resolve agir contra a segregação que seus funcionários impunham a Katherine, ele só age depois que ela cansada de tudo aquilo põe para fora tudo que acontece e enfrenta a todos, assim, Harrison percebe que ainda que não agisse com racismo no tratamento a ela, ele contribuía sendo omisso em relação ao que acontecia. Porém, o fato é que o filme tenta tratar o tema da forma mais leve possível para não chocar e ser um filme vendável.

Estrelas Além do Tempo concorre ao Oscar de melhor filme num ano em que a academia parece querer se redimir dos últimos anos com total ausência de negros nas categorias. Não demora a aparecer os discursos racistas disfarçados de humanitários: “hoje em dia é esse mimimi, é só ter qualidade, que é indicado, não tem que ser por ser negro”. Se só tem branco é porque tem qualidade, se indicam negro, é só porque é negro, quem está de mimimi? Todo ano há negros e negras realizando ótimos trabalhos, havia no ano passado quando nenhum foi indicado e há nesse ano.


Estrelas Além do Tempo, na minha opinião, não é um dos melhores filmes indicados, nem o melhor do ano com temática racial. Moonlight que a temática também perpassa é superior. Os principais problemas da película residem em algumas características comuns de dramas feitos para ganhar prêmios. O filme é estadunidense ambientado na Guerra Fria, então normal em alguns momentos surgir o pensamento “elas são americanas e também são contra o socialismo e a União Soviética, então por isso devemos aceitá-las”, embora, as alusões à marcha por direitos civis liderada por Martin Luther King Jr. e outros elementos da política no período contribuem para construir o retrato dos Estados Unidos, um país que fala em levar a liberdade e democracia para outros territórios, mas segrega e oprime uma grande parcela de sua sociedade. Esse aspecto fica mais de pano de fundo e o enfrentamento é com o racismo no cotidiano das relações de trabalho, esperado, assim como o uso de muitos diálogos expositivos e a narrativa que fez parecer que algumas coisas estavam acontecendo rápido demais, a transição de tempo não é bem trabalhada e o diretor Theodore Melfi (de Um Santo Vizinho) não está muito criativo nos planos.


As interpretações de fato são sua maior força, desde as protagonistas, passando por Kevin Costner, Kirsten Dunst e Mahershala Ali, ele que também está em Moonlight, filme pelo qual concorre a Oscar de ator coadjuvante, interpreta um militar gentil que se apaixona por Katherine, as cenas com ele contribuem para compor a força da personagem principal e mostra os “pequenos” machismos que as mulheres enfrentam no dia a dia mesmo de pessoas que as amam, o mesmo nas cenas de Mary e o marido, que começa a apoiar os sonhos dela aos pouco.

Enfim, Estrelas Além do Tempo é um filme que merece ser visto, histórias como essa precisam ser contadas, calando a boca de quem diz ver racismo nesse tipo de filme. Seria cômico se não fosse trágico, séculos de escravidão, segregação e preconceito racial, décadas de luta para negros serem protagonistas de filmes assim como para serem cientistas, ainda hoje são os menos lembrados em premiações como o Oscar, mas pessoas por aí nesse mundo da internet veem racismo em fazer filmes que contam essas histórias. Isso sim é mimimi, pirraça de quem não consegue ter empatia com a história do outro.


Aliás, aproveitando a polêmica, é incrível como o Brasil tem dificuldades para enfrentar o próprio racismo incrustado na sua sociedade, até na tradução do título desse filme isso aparece. Hidden Figures que deveria ser algo tipo Figuras Ocultas ou Figuras Escondidas, virou uma coisa mais romântica, “Estrelas Além do Tempo”, não acho o título ruim, mas por que não a tradução literal? Hidden Figures joga na cara o que o filme quer discutir, a invisibilidade das mulheres negras na sociedade racista, mesmo realizando um trabalho fundamental para o governo não recebiam reconhecimento e como muitas outras figuras negras tentaram apaga-las da história. Um título muito mais porrada.


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DRÉ TINOCO

André Tinoco

Professor de Geografia, cinéfilo nas horas vagas 


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